1. Introdução
A valorização do magistério é um dos pilares constitucionais da educação pública brasileira. O art. 206, VIII, da Constituição Federal estabelece o piso salarial profissional nacional como garantia mínima à remuneração digna dos profissionais da educação básica. No entanto, mesmo mais de uma década após a instituição da Lei Federal nº 11.738/2008, a efetividade desse piso continua sendo objeto de intensas disputas jurídicas e políticas.
O Tema 1218, atualmente em julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF), pode representar um divisor de águas na luta pela valorização da carreira docente, pois discutirá se o piso nacional deve ser aplicado como vencimento básico inicial e se esse valor deve repercutir obrigatoriamente em toda a estrutura da carreira, alcançando níveis, classes e faixas superiores.
O julgamento está previsto para ocorrer no Plenário Virtual, de 12/12/2025 a 19/12/2025, mas já há ministros defendendo que a matéria seja levada ao Plenário físico, dada sua relevância nacional.
2. O que o STF já decidiu sobre o piso nacional do magistério?
A discussão sobre o piso não é nova. Em 2011, o STF julgou a ADI 4167, reconhecendo a constitucionalidade integral da Lei 11.738/2008, fixando que:
- o piso deve ser aplicado sobre o vencimento básico, e não sobre a remuneração global;
- Estados e Municípios não podem pagar abaixo do piso;
- a lei é mecanismo legítimo de fomento à educação e valorização profissional.
Posteriormente, ao modular os efeitos desse julgamento, ficou definido que o piso é exigível a partir de 27/04/2011.
Além disso, na ADI 4.848, o STF reforçou que a atualização anual do piso é constitucional e obrigatória, rejeitando a alegação de que o reajuste violaria autonomia financeira dos entes. Para o ministro Roberto Barroso, o piso é política pública essencial, sustentada por mecanismos de financiamento previstos na Constituição e pelo FUNDEB.
3. A controvérsia específica do Tema 1218
O Recurso Extraordinário 1.326.541/SP, que deu origem ao Tema 1218, discute se:
a) O piso nacional deve ser adotado como vencimento básico inicial da carreira; e
b) Se a adoção do piso implica reflexos automáticos e proporcionais nas demais classes, faixas e níveis da carreira docente.
O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) decidiu que sim: ao atualizar o vencimento básico inicial para adequá-lo ao piso, deve haver repercussão escalonada para cima, porque a carreira paulista está estruturada sobre proporções fixas entre níveis e faixas. Ou seja, alterado o valor inicial, todos os demais devem ser reajustados proporcionalmente, garantindo coerência e isonomia no plano de carreira.
Essa interpretação foi sustentada pelo TJSP inclusive com base na legislação local (LC 836/1997), que determina a vinculação matemática entre os níveis da carreira. Assim, impedir a repercussão equivaleria a achatar a carreira, prejudicando professores mais experientes e qualificados.
O acórdão do TJSP, afirma expressamente:
“É evidente que, quando ocorre uma alteração no salário básico inicial, haverá, consequentemente, repercussão na escala de vencimentos desses servidores.”
(Trecho do acórdão citado no processo do STF)
4. Os argumentos dos Estados contra a repercussão do piso
No STF, o Estado de São Paulo sustenta que:
- a repercussão do piso em toda a carreira violaria a autonomia administrativa e financeira dos Estados;
- haveria risco de descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal;
- reajustar toda a carreira equivaleria a criar um reajuste geral anual, proibido pela Constituição;
- a decisão comprometeria políticas públicas essenciais, por supostamente impactar bilhões em despesas.
Esses argumentos foram detalhados nas contrarrazões do Estado, também destacadas no documento que acompanha o processo:
“A aplicação do piso nacional afeta todos os 27 Estados e os 5.570 municípios, impactando a sanidade financeira dos entes federados.”
5. A posição consolidada do STF até agora
Apesar da alegação de impacto financeiro, o STF já firmou importantes premissas:
1. O piso é obrigatório, nacional e vinculante
Decisão reafirmada na ADI 4167 e na ADI 4848.
2. A autonomia financeira dos entes não permite descumprir o piso
O Supremo reconhece mecanismos constitucionais, como o FUNDEB, para viabilizar o cumprimento do piso.
3. O piso constitui política pública fundamental para a valorização docente
Não é mera referência: é um instrumento de qualificação do ensino e retenção de profissionais.
4. A repercussão geral foi reconhecida
Por maioria, o STF decidiu que a questão transcende o interesse individual e possui impacto nacional.
6. O coração do debate no Tema 1218: piso e carreira são indissociáveis
Um dos maiores problemas enfrentados pelos professores no Brasil é a compressão da carreira: o piso é reajustado, mas os demais níveis permanecem congelados. Isso gera:
- perda de incentivo à qualificação;
- redução da distância salarial entre quem está iniciando e quem possui décadas de experiência;
- desmotivação e precarização da carreira.
Não por acaso, o TJSP determinou que:
“Os vencimentos devem ser reajustados de acordo com o piso salarial nacional, ocorrendo ainda a incidência escalonada com aplicação para os demais níveis, faixas e classes.”
Essa é a discussão que o STF enfrentará diretamente no Tema 1218.
7. Por que o julgamento é decisivo para professores e redes de ensino?
Se o STF confirmar a tese da repercussão:
1. O piso será o alicerce da carreira
Não será mais um valor isolado, mas o ponto de partida de toda a estrutura remuneratória.
2. A carreira terá coerência matemática e valorização progressiva
Professores com mais tempo e formação deixarão de receber valores próximos aos iniciantes.
3. Estados e municípios deverão revisar seus planos de carreira
Gerando impactos administrativos, financeiros e orçamentários de grande amplitude.
4. Haverá uniformização nacional da jurisprudência
Centenas de milhares de ações judiciais serão afetadas, trazendo segurança jurídica.
8. O que esperar do julgamento?
O STF já reconheceu:
- a constitucionalidade do piso;
- a obrigatoriedade de sua observância;
- a validade da atualização anual;
- a legitimidade do impacto financeiro como consequência necessária da política pública.
Além disso, os ministros têm destacado que não cabe ao Judiciário revisar escolhas legislativas já validadas pela própria Constituição, como a criação do piso nacional.
A tendência, portanto, é que o Tribunal examine se, no contexto das carreiras escalonadas, a repercussão proporcional é consequência lógica da adoção do piso.
Trata-se de debate técnico, jurídico e também profundamente social: envolve a valorização de uma categoria essencial para o desenvolvimento do país.
9. Conclusão: um julgamento histórico para o futuro da educação pública
O Tema 1218 não é apenas uma disputa jurídica; é o reflexo de um país que ainda luta para concretizar o direito constitucional à valorização do magistério.
Se o STF reconhecer que o piso deve repercutir em toda a carreira, caminhará no sentido de:
- fortalecer a profissão docente,
- garantir remuneração justa,
- estimular a permanência e formação dos educadores,
- combater o achatamento salarial,
- e consolidar uma política estrutural de valorização, alinhada às diretrizes constitucionais.
A educação pública de qualidade depende de profissionais valorizados, motivados e remunerados de forma justa. O julgamento do Tema 1218 pode representar um marco nesse processo — não só para professores estaduais, mas também para redes municipais e federais que baseiam suas carreiras em vencimentos escalonados.
A sociedade, os educadores e todos que defendem a educação pública estão atentos. O STF tem agora a oportunidade de reafirmar, com profundidade e clareza, que piso e carreira são partes inseparáveis da valorização docente.



